segunda-feira, 19 de setembro de 2011

RN tem 405 mil vivendo na pobreza extrema


Ricardo Araújo
Da Tribuna do Norte

A geladeira é nova, porém está vazia. Somente duas garrafas pet com água preenchiam o espaço que comporta até 280 litros não só de líquido. O aposentado Damião Domingos Cardoso, 65, adquiriu o eletrodoméstico após contrair empréstimo de R$ 3 mil junto à Caixa Econômica Federal. Além do refrigerador, ele comprou um aparelho de som e construiu um poço artesanal para captar água para as 18 pessoas que residem na casa de taipa, com sete cômodos, erguida há mais de 40 anos nas cercanias de Ceará-Mirim. Sua aposentadoria, de R$ 545, reduziu para R$ 384 e assim se perpetuará por mais 30 meses, até que a dívida, acrescida de juros, seja paga. Damião é arrimo de família de apenas uma, das 405.812 pessoas que vivem na pobreza extrema no Rio Grande do Norte. Além da aposentadoria recentemente concedida pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INSS), as demais fontes de renda da família Cardoso se resumem ao programa Bolsa Família, do Governo Federal. Pelos filhos que mantém na escola, eles recebem mais R$ 166. Esta regalia, porém, corre o risco de ser perdida, caso as três crianças em idade escolar não retomem a frequência regular nas instituições nas quais estão matriculadas. "Eu abandonei os estudos porque quando eu acordava de manhã, não tinha o que comer e eu não conseguia aprender nada", disse José Roberto, um dos filhos de Damião. Somando o repasse do INSS com o do Bolsa Família, a renda acumulada mensalmente pelos Cardoso chega a R$ 550. Dividindo-se a monta pelo número de pessoas que dependem diretamente da verba, cada uma "dispõe" de R$ 30,55. O que é insuficiente para financiar, mensalmente, a compra de alimentos, medicamentos e roupas. Para Maria das Graças Basílio, 47, esposa de Damião, entretenimento é "uma coisa que eles não conhecem". Afinal de contas, são "muitas bocas para alimentar e nem sempre o que tem é suficiente". Sem perspectivas de ampliar a renda, resta a Damião plantar parte do que alimenta a família. "Eu planto feijão, milho, batata e melancia. Tudo é para nosso consumo. Eu não tenho condições de comprar muitos mantimentos", lamenta. Sobre a pobreza na qual vive, ele afirma que hoje os tempos são melhores, mesmo com tantas dificuldades. Na panela com o fundo tingido de preto pelo carvão, cozinhava feijão preto temperado somente com sal e algumas das hortaliças da horta do agricultor. "Meu filho, a gente agradece a Deus quando tem pelo menos feijão pra comer. Mesmo que seja puro, sem mistura", dizia Maria das Graças, enquanto mexia a panela. Os três filhos mais velhos que ainda moram com os pais não trabalham. Fazem apenas bicos que não garantem a subsistência de nenhum deles. Francisco de Assis, aos 30 anos, sonha no dia que poderá dizer: "sou independente". "Eu queria poder trabalhar pra ajudar meus pais, ter minhas coisas. Mas é tudo muito difícil", reclamava. Francisco jamais teve sua carteira de trabalho assinada. As lamentações acerca da situação na qual se encontram ecoam como se toda a família orquestrasse o mesmo discurso. "A falta de dinheiro é triste. Quando a gente escuta um filho pedindo comida e não tem como dar, é de partir o coração. Só conhece de verdade a miséria, quem vive nela", ressalta Maria das Graças. Além das consequências da pobreza absoluta, a família Cardoso enfrenta problemas de infraestrutura. Para chegar ao povoado de Capela, precisam se deslocar sete quilômetros a pé. As escolas e o posto de saúde mais próximos estão na comunidade. Além disso, os casos de doenças provocadas pela má qualidade da água que abastece o povoado são recorrentes. Parte da população sofre com moléstias como verminoses e escabiose. "Este tipo de doença ocorre devido à falta de tratamento na água que bebemos", comenta a agente de saúde, Izabel Cristina. Mesmo diante de tanta miséria, Damião e Graças, unidos à família, não hesitam em sonhar que dias melhores estão por vir.

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